23 de set. de 2014

A Porta...

  Felipe acabara de mudar-se para uma antiga casa que pertencera a um velho amigo falecido. Este não tinha família, por isso colocou o nome de Felipe em seu testamento. A casa era antiga, mas não estava tão ruim para sua idade. Era grande e espaçosa, um pouco rústica, mas até que aconchegante, só precisava ser limpa e arrumada. Localizava-se nas colinas de uma pequena cidade de interior, apenas uma trilha de terra levava a ela.
   O homem não parava de pensar que não pode se despedir do amigo, passaram grande parte da infância e juventude juntos, mas suas vidas tomaram rumos diferentes, por isso acabaram perdendo contato. Por conta disso, seu olhar era um tanto triste, estava em um lugar que pertencera a alguém muito querido, mas que não estava mais lá.
   Havia passado dois dias, Felipe tinha arrumado e limpo boa parte da casa, só faltava o sótão e o porão. Chegando ao sótão, viu muitas caixas com coisas velhas e empoeiradas e objetos inúteis que deviam ser jogados fora. Levara a tarde inteira fazendo isso, decidiu então deixar o porão para o dia seguinte.
   Na manhã posterior, ele acorda com um ânimo superior ao habitual, sem ligar muito para isso, dirige-se a porta do porão. Logo constata que ela está emperrada, mas fazendo um pouco de força consegue abri-la. Lá embaixo cheirava a mofo e madeira podre, o chão estava úmido e com um pouco de lodo, latas velhas de tinta, ferramentas e coisas do tipo, se misturavam a pequenas poças d’água e sujeira. Havia chovido algumas semanas antes e o porão estava repleto de infiltrações. Não tinha luz ali, a pouca iluminação do local vinha da porta aberta acima da escada, isso e aquele cheiro, deixava o ambiente ligeiramente sombrio, mas nada aterrorizante o suficiente para assustar um homem adulto.

  No final da tarde Felipe já estava cansado de limpar, ainda havia bastante coisa a ser feita, o porão estava mais sujo do que imaginara, decidiu deixar mais uma vez para o dia seguinte. Fechando a porta, colocou um pouco de óleo nas dobradiças e maçaneta, para que não emperrasse novamente, a abriu e fechou algumas vezes para testar, parecia tudo normal, então foi tomar um longo banho e se deitar para descansar.
  Naquela noite tivera sonhos estranhos, como se algo o chamasse, mas ele não conseguia definir onde nem o que. Acordou no meio da madrugada confuso, mas logo entendeu ser um sonho e voltou a dormir. Mesmo assim, algo ainda o incomodara.
  Ao amanhecer, Felipe já estava de pé, queria terminar logo toda aquela maratona de faxina. Dirigiu-se rapidamente a porta do porão, notou que ela estava emperrada novamente, se perguntou como, se havia colocado óleo e feito testes e ela parecia estar funcionando bem. Novamente usou a força para abri-la e conseguiu. Descendo as escadas, estranhou que o lugar parecia quase tão sujo quanto na primeira vez que ele o viu. Decidido em terminar o trabalho, logo retoma sua tarefa, seca as poças, varre o lixo, arruma as coisas espalhadas em um canto. Quando de repente, a porta se fecha com força, fazendo um grande barulho e apagando a pouca luz do local. Após um leve susto com o som, Felipe se conforma, pensando ser o vento e sobe para abri-la novamente. E mais uma vez estava emperrada, ele fez a mesma força de antes, mas agora não funcionou, tentou mais uma vez e nada, então empurrou com mais força usando seu ombro e ela se abriu como se alguém o fizesse do lado de fora. Olhou um pouco confuso, mas pensou de não ter conseguido logo por já estar cansado da faxina. Apoiou uma cadeira para segurar a porta e desceu novamente.
  Já era noite, Felipe estava varrendo o ultimo monte de lixo, quando escuta alguma coisa arranhando a madeira logo acima, olha para onde parecia vir o som, mas não enxerga nada. Pensa racionalmente mais uma vez, poderia ser algum rato escondido naquela casa velha. Decidiu que no dia seguinte compraria algumas ratoeiras.
  Ao fechar a porta pela ultima vez naquele dia, sentiu algo estranho vindo dela, como se alguém estivesse ali com ele. Felipe era cético, não acreditava em espíritos, fantasmas e afins, usava sempre da razão para explicar tudo, então logo tirou essa idéia da cabeça, foi tomar seu banho e dirigiu-se ao quarto. Deitando-se começou a sentir novamente aquela sensação que teve ao fechar a porta. Ouviu batidas ritmadas na madeira, o som vinha da porta do porão. Pensando ser algum intruso, armou-se com um taco de baseball e foi averiguar. Ao se aproximar o som parou, então ele pegou uma lanterna e foi ao porão para ver se não tinha ninguém ali. Dessa vez pode abrir a porta sem problemas, até estranhou, já estava se acostumando com aquilo, desceu cuidadosamente a escada e verificou com sua lanterna. Não encontrara nada, mas sentiu o ambiente ficando mais denso e escuro. Ao voltar-se para a porta, viu que ela estava fechada, estranhou por não ter ouvido som algum. Aproximando-se ela abrira lentamente sozinha, rangendo as dobradiças em um tom melancólico. Um arrepio frio passa por sua espinha, mas logo se controla e sai para verificar o resto da casa. Mais uma vez nada é encontrado, pensa novamente em algum bicho, um guaxinim ou o rato que cogitara antes. Constatando estar só naquela casa, retorna para cama e adormece.
   Acorda na manhã seguinte com um susto, ao escutar uma porta bater com força. Tenta se convencer de ter sido um sonho, quando escuta novamente o ranger melancólico das dobradiças da porta do porão. Uma gota de suor frio corria pelo seu rosto, ele não podia mais negar, alguma coisa estava estranha naquela casa, mais especificamente, aquela porta. Cautelosamente aproximou-se dela, tentou abri-la, mas como de costume estava emperrada. Dessa vez não fez força alguma, nem sequer tentou abri-la novamente. Sua respiração estava pesada, suas mãos tremiam um pouco, afastou-se dela, seguiu para cozinha para tomar um copo d’água e organizar os pensamentos. De repente escuta um barulho perturbador vindo daquele lugar, como se algo estivesse preso no porão por semanas, louco para sair. Ouviu coisas que se pareciam com gritos abafados, urros de criaturas famintas, arranhões e batidas na porta. Desesperado não sabia direito o que fazer, quando sentiu que deveria ir ver o que era, algo o atraia para lá. Sem entender viu-se de pé em frente aquela porta, de onde saiam àqueles sons horrendos e uma estranha luz vermelha de suas frestas. A porta abre-se repentinamente sozinha e ele é sugado para dentro. E Felipe nunca mais foi visto.

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